O dinheiro que é mal ganho assim se fala em Mirandês! Augó deu, Augó lubou!!!
A áugó deu, áugó lubou!... (crônica número 024)
< Se não tens apetite não culpes o teu
alimento> (Tagore)
Eu mesmo, a mais
das vezes eu me sento na mesa da Literatura Lusitana, a qual é fartamente
recheada de todos os gêneros alimentícios (para a língua) e gêneros literários
para o espírito; quando eu me levanto sempre digo - se visse antes o que
vejo agora, eu não teria comido nada! - Silvino
Potêncio - (passageiro do "Niassa"em fevereiro/março de 1965)
O velho e saudoso "Niassa" encostou no
cais de Alcantara, quando então ele fazia fretes ao serviço da CNN - que nada
tem a ver com a empresa do marido da Ti Jane Fonda, aquela "Barbarela"
que tinha a "síndrome da China" - para mais uma viagem rumo ao
ultramar.
- Já se tinham passado cerca de quatro anos
desde que ele, - o nosso velho e bom bote transatlântico, qual "Cacilheiro"
que transportava na sua grande maioria cidadãos ao serviço da pátria
tanto civis como militares - mas que sofria da "síndrome" da
Índia, melhor dizendo da influência imperialista que vinha das Índias
americanas, as quais se comportavam, em relação aos portugueses,
como "aquelas mulheres de Atenas"... (sarává ó grande mestre
Chico, filho do não menos conhecido baluarte do diccionário da língua de todos
nós , o "Buoarco da Holanda").
- Nesta viagem absolutamente real no tempo e
no espaço, eu fui forçado pelo próprio destino a embarcar
nele, embora nunca tivésse sido marinheiro!, - e isto porque
sendo eu oriundo "lá de xima" das terras altas, eu vi
o "mar da palha" pela primeira vez quando já tinha uns treze
anos incompletos, ali do portão principal da Estação de Santa Apolônia,
que fica um pouco mais acima do lugar onde começa a minha viagem de
hoje - ou seja; o depoimento escrito de memória de eventos que marcaram
a minha pequena trajectória física rumo aos mares do sul.
- E me vem isto a propósito de umas recentes
reprimendas literárias lidas e absorvidas, como quem come a sopa ainda quente
ou uns pratos de "milhos" feitos à moda Minhota, sempre com a colher
pela beirado do prato... e que me deu vontade de fazer mais este texto, porque
achei que o autor das tais "Vergastadas" virtuais ele exagerou na
dose do tempero e das "águas de bacalhau", que é o que normalmente
acontece aos escritos que falam mal do bem que os outros escrevem ao falar mal
do bem deles mesmos.
- Dependurado no corrimão do "deck"
inferior que levava aos aposentos da "galera de terceira classe", e
para que o Ti Zé Artur não me visse de novo a chorar porque esta seria a minha
última vez em vida!, eu desci à procura do meu camarote aonde permaneci deitado
por uns dois dias e meio sem coragem para subir nem para o refeitório - digamos
restaurante, porque ali ainda se vivia, comia e respirava um pouco da
aristocracia Lusa, feito uma cópia remanescente dos grandes feitos dos
Albuquerques e dos Vascos da Gama, dos Cabrais, e dos Gonzalo Zarcos, dos
Bartolomeus Dias e noites a navegar lá na proa tão "emproados" que eles
eram...dos tempos dos “ir ós do maaar”!
- Foram quatorze dias de navegação, com gente que
nunca mais vi no resto da minha vida!... se algum dos leitores porventura se
lembrar desta viagem, que entre em contacto. - Por certo ele há-de achar o
caminho de volta para me encontrar!
- E lá fui eu com vários companheiros de viagem que
se aventuravam no sentido contrário da tendência natural dos movimentos
migratórios daquela época, tão conturbada nos territórios Portugueses ultramarinos;
- quem se aventurava a ir para Angola, Moçambique, Guiné?!... quando, na verdade, naqueles tempos, de lá vinham
tantas pessoas fugindo de situações tão absurdas criadas no pós 4 de fevereiro
de 1961? - Eu fui!...enfim, o destino é assim algo como um interregno
préviamente programado, e uma sublime surpresa entre os dois momentos
mais importantes na vida do ser humano; o da sua nascença e o do seu
passamento.
- Depois que o útero materno solta as
"águas", irremediávelmente, todos nós descemos rio abaixo em direcção
ao "mar da palha" que é a esteira do esteio de cada um de nós, até ao
momento derradeiro de voltarmos ao pó da essência volátil que se perde no
espaço infinito do esquecimento eterno.
Tudo o que acontece durante esse interregno o
chamamos de vida temporal.
- A minha viagem para o desconhecido mundo Ultramarino
foi, talvez, a minha iniciação ao pretérito mais que perfeito desejo de algum
dia - se Deus quisésse, e pelo visto Ele ainda quer - eu deixar o relato deste
enfronhado movimento migratório que nos deixa sempre com vontade de ir para
onde não estamos a cada momento.
- Todavia, e antes que eu me distraia de novo
com tão imensas lembranças de um passado ainda não muito distante - a mim
me parece que foi ontem!
- Eu quero justificar aqui e agora o porquê
deste relato, deste breve trecho das minhas memórias, como apenas mais uma
contribuição ao mundo das letras, e dos quase "iletrados" que,
felizmente, somos a maioria remanescente da malfadada “descolonização exemplar”.
- Para mim, como para quase todos os que
aqui escrevem de graça, por puro prazer de o fazer aleatóriamente, e
depois que eliminaram os serviços do SPM que eram de graça para os seus
usuários . E vale lembrar aqui aquilo
que eu creio, muitos já adivinharam; o período do meu
"interregno" em que eu mais escrevi foi durante o serviço
militar onde a maior satisfação era receber e responder cartas e mais cartas,
as quais ninguém tinha obrigação de responder!, (só a devoção à Língua comum a
todos), eu deixei de me preocupar com os aspectos técnicos.
- Imagine-se a pressão sentida com algum senso de
responsabilidade de publicar algo como mais valia a pedido do idealizador de um
tal CCD (eu insisto em dizer que isto são só "Catramonzeladas" Com
Democracia...) se tivermos que obedecer aos palavrões mínimamente catalogados
na memória programática de cada um de nós como por exemplo; obedecer a
exacta compreensão e estruturação
de texto ortográficamente correcto – ou será correto!? escrever “correto” em
vez de correcto?!.
- O sistema ortográfico
em vigor: o emprego das letras e a acentuação gráfica.
A semântica: os sinônimos, os antônimos,
a polissemia.... Os vocábulos homônimos e parônimos.
A denotação e a conotação. A formação de
palavras: os prefixos e sufixos. A flexão nominal de gênero e número. A
flexão verbal: verbos regulares e irregulares. - As vozes verbais. O emprego
dos pronomes pessoais e das formas de tratamento. O emprego do pronome relativo
é sobremaneira relativo, reflexivo, ou compulsivo?!
Sei lá!?...
A colocação pronominal. O emprego das
conjunções e das preposições. - A ordem de
colocação dos termos na frase, da concordância nominal e verbal. - A
regência nominal e a verbal. O emprego do acento e da crase.
- Os nexos semânticos e
sintáticos entre as orações, na construção do período. O emprego dos sinais de pontuação e milhares de outras
"calinadas" que eu não me lembro aqui e agora! (certamente não será
por isso que vou deixar de escrever o que sinto e a forma como o sinto!
Se era isto que esperavam
de mim, tenho pena!
Sou Amador Amanuense e estou por demais ocupado e acho que não
seria nenhum contributo nem para fazer gracejo, qualquer que fosse a inspiração
do momento!
Voltando agora ao nosso prato literário de hoje,
que é bem mais simples do que os três pratos razos e mais um prato fundo em
cima de todos, que me esperavam lá na mesa do restaurante do Velho Niassa. Mais
Três copos em tamanho escadinha na frente dos pratos e umas seis ferramentas -
duas facas, dois garfos, duas colheres - em volta deste trem artisticamente
engalanado, foi a recepção que me assustou ao entrar no refeitório do
"Niassa" pela primeira vez.
Na minha mesa me sentava eu, e mais uns três
rapazes, uns "ganapotes" mais ou menos da minha idade - aquela em que
se olha no espelho com uma lupa a ver se o bigode está seguindo o caminho
natural do individuo nascido macho, loiro, (com olhos castanhos porque na minha
terra só tem castanheiros) - e então começávamos a escutar a conversa
que vinha da mesa ao lado.
- Era
um professor que tinha acertado a sorte grande, viajou de férias para o "Puto"
gastou lá a fortuna toda no jogo, e voltou para o Seles de mãos a abanar! (só
anos mais tarde eu tive conhecimento dessa comédia em três actos tantas vezes
sonhada e levada à cena dentro dos nossos projectos unipessoais - foi aí que me
lembrei dos ditos da minha mãe; <o
dinheiro que é mal ganho, áugó dou, áugó lubou!>
- Logo no primeiro dia nos olhávamos de soslaio, à
espera do lacaio - no bom sentido - para ver quem começava a guerra
primeiro. O mordomo se aproximou com uma "terrina de sopa" e despejou
uma colher no prato fundo, aí foi fácil entender que aquilo era para comer
com a colher, mas qual delas?
Completamente mareados saíamos de fininho para correr
para a casa de banho mais próxima e ali se lançava a “carga ao mar” até que nos
acostumámos, foram práticamente três dias de treinamento anti labirintítico,
herdado da Ti Julheta lá de Caravelas.
- Três dias depois de constantes tropeços pelos
corredores do "Niassa", com a língua a saber a papeis de música, lá
consegui finalmente comer um prato de sopa completo.
- Quatorze dias depois, e antes
de desembarcar portaló abaixo, eu ainda tive vontade de voltar para
trás e perguntar se o comandante me aceitava como "taifeiro" autônomo?!...
nem que fosse apenas pela comida.
- Que pena que isso ficou apenas no
pensamento!
Creio que talvez seja por isso que, ainda
hoje, quando alguém me pergunta se a língua portuguesa é difícil, eu
respondo com uma pergunta:
- já lhe passou a fase do enjôo!?... o que vem a
seguir é o remanso da tempestade, pela entrada da sopa, o bucho agradece e
nos deixa naquele remanso da ressaca anunciada. --- Ai quem me dera voltar ao
Niassa daquele tempo.
A minha crônica de hoje vai para a Senhora Dra
Dulce, uma Leitora e parabéns á sua página, à sua luta pessoal -
algum dia alguém aproveitará por isso que Senhora faz e publica, creia-me!...alguém
lhe dará o seu devido valor na hora certa!
- Silvino Potêncio/Natal-Brasil -
(texto original recuperado do meu Blog ZÉ BICO)