Depois de quase
4 anos em Portugal , em busca de emprego
naqueles difíceis tempos de 1975 e
seguintes, eu acabei por reuni r as
poucas economias que eu tinha, vendi o meu velho N.S.U. na sexta, comprei passagem no Rossio no
sábado e na segunda feira cheguei a
Recife – Pernambuco.
Dali segui para
Natal e fui falar com o então Sr Consul
Honorário de Portugal;
O Velho Ti
Manel Alves Afonso.
... Natural de
Caminha, o velho Ti Manel Afonso já então com mais de oitenta e tal anos,
ele caminhava lento.
- Levantava-se
cedo por hábito adquirido há muitos e muitos anos!
- Tomava o
autocarro na porta da sua casa - único bem que lhe restou do patrimônio
familiar angariado em mais de 70 anos de emigrante - e todos os dias,
pelas sete horas da manhã, ele abria o estabelecimento!
--- Ah! que
consolo dizer isto à boca cheia.
O homem tinha
uma "banquinha
de jogo do bicho" com
aproximadamente um metro quadrado de espaço, localizado debaixo da escada
que levava ao primeiro andar do prédio, a qual lhe era autorizado
instalar no vão da escada da entrada desse edificio,, o mesmo que outrora
já fora o seu grande quartel general de negócios.
- Não é por
nada não mas, aqui me ocorreu o velho tango..
- Música
melancólica que nem o tal Gardel conseguia disfarçar depois de uma noitada de
dor de cotovelo: --- corrientes!,treis cuatro ocho!, subiendo
al primer andar!. ( ai, Jesus! que tristeza.)
- Muitos
anos antes ali ele recebia politicos e comerciantes, artistas e
jornalistas. Lá mesmo eu vi fotografias dele, Ti Manoel Afonso, junto ao
aeroplano, e junto do Gago Coutinho em escala no aeroporto de Recife. Mas
isso eram devaneios de outras eras, como o são todos os tangos de que me
lembro!
- O dia a dia
do Ti Manel Afonso era bem mais simples:
Ele veio para o
Brasil com "carta de chamada" e não tinha passaporte.
Sim, senhores! O
Ti Manel Afonso não tinha passaporte Português!
Eu instalei o
meu Escritório de Representações e
durante vários anos fiz serviço voluntário para o Consulado em Recife e eu pessoalmente o ajudei a tirar a
Carteira de Identidade, ou RNE - RG como queiram lhes chamar,. - perguntei-lhe
pelo passaporte e o homem simplesmente, com lágrimas nos olhos, se
encolheu e confessou que nunca mais teve condição de ir a Recife para tirar o
próprio passaporte ,mas,...ele até já nem o precisava!
-
Porque todo o mundo em Natal sabia que ele era o Consul Honorário de
Portugal, então para quê ele precisaria de passaporte?
- Isto ele
me diizia meio a sério, meio na brincadeira, porque eu era afinal o patrício
que ele tinha ali mais perto da loja dele onde, às vezes eu ia lá para comprar
um maço de cigarros (vulgo tabaco) e ele
se recusava a vender-mo!, sabem porquê?
Ele foi
caixeiro viajante, enriqueceu no comércio de jóias, relógios e muito trabalho
como bom emigrante que era.
- Construiu
o prédio onde por vezes promovia bailes de gala nas décadas de 40 e 50 do
século passado.
- Agora na
década de oitenta ele tinha que vender cigarros avulso porque dessa forma ele
conseguia mais uns trocados para a sopa!
- Se me
vendesse a mim o maço completo, ele não tinha como abastecer os clientes
que compravam um de cada vez! e, para disfarçar a contravenção de fazer o
j”oguinho da bicharada”, lá vendia cigarros: um de cada vez!
- Certa vez, Acompanhei-o
eu a um almoço do Rotary Club local, em dia de homenagem a
Portugal lá pelos idos do "dez de junho" de 1982- ou 83, se não
estou em erro,!... e o Ti Manel Afonso não aguentou de saudade!
A meio do
almoço e na hora de botar "faladura", ele desabou por cima da
mesa com a fala já entaramelada de emoção, depois de um copito do tinto,
uma olhada na bandeira das quinas na parede em frente de nós dois, e mais
o amigo Albano, que também já está ausente, ele apagou! Eu e o Albano lá
o fomos a deixar na casa dele, quase desacordado.
- Faleceu um
tempo depois, já p'ra lá dos noventa e tantos anos, e a grande mágoa que
o acompanhou na sua última e derradeira
batalha, foi a sua grande tristeza de tudo ter dado e feito em prol
do nosso País, da nossa cultura, em
terras Potiguares , e ele o Sr Consul Honorário de Portugal, ele jamais
recebeu sequer uma menção honrosa de quem de direito.
- Ganhou muito
ouro em vida, agora descansa em paz!.
Antes de ser
Consul Honorário ele foi emigrante como eu, como qualquer um de nós Mundo
Afora...
(Texto extraído
do meu livro “CRÔNICAS DA EMIGRAÇÃO”)
Silvino Dos
Santos Potêncio – Emigrante Transmontano em Natal desde 1979
Se me vendesse a mim o maço de tabaco completo, ele não tinha como abastecer os clientes que compravam um de cada vez! e, para disfarçar a contravenção de fazer o "joguinho da bicharada”, lá vendia cigarros: um de cada vez!
ResponderEliminarOs leitores interessados em escutar música de fundo dos meus textos, podem acessar a minha página literária no RL "O descanso do Guerreiro". Bem Hajam